terça-feira, 17 de janeiro de 2012

SOU BONITO

Não é o meu costume ouvir música enquanto escrevo. Fico possuído pela música, numa espécie de êxtase, e isto faz parar meus pensamentos. Contrariando o meu hábito, coloquei no micro um CD de uma peça que nunca ouvira, a sonata para violino e piano de César Frank. Minutos depois eu estava chorando. Aí interrompi o choro e fiz um exercício filosófico. Perguntei-me: ” Por que é que você está chorando?”. A resposta veio fácil: “Choro por causa da beleza”…. Continuei: ” Mas o que é a experiência da beleza?”. Sem uma resposta pronta, veio-me algo que aprendi com Platão. Platão, quando não conseguia dar respostas racionais, inventava mitos. Ele contou que, antes de nascer, a alma contempla todas as coisas belas do universo. Essa experiência é tão forte que todas as infinitas formas de beleza do Universo ficam eternamente gravadas em nós. Ao nascer, esquecemo-nos delas. Mas não a perdemos. A beleza fica em nós adormecida como um feto. Assim, todos nós estamos grávidos de beleza, beleza que quer nascer para o mundo qual uma criança. Quando a beleza nasce, reencontramo-nos com nós mesmos e experimentamos a alegria. Agora vem a minha contribuição. Continuo o mito. Há seres privilegiados - eles bem que poderiam ser chamados de anjos - aos quais é dado acesso a esse mundo espiritual de beleza. Eles vêem e ouvem aquilo que nós nem vemos nem ouvimos. Aí eles transformam o que viram e ouviram em objetos belos que os homens normais podem ver e ouvir. É assim que nasce a arte. Ao ouvir uma música que me comove por sua beleza, eu me re-encontro com a mesma beleza que estava adormecida dentro de mim.

Rubem Alves - Ostra feliz não faz pérola

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