sexta-feira, 18 de março de 2011

Basta de injustiça, chega de exploração: MAMÃE, EU QUERO MAMAR!

Minha amiga, me faça um favor, ligue a tv, bote em qualquer canal e assista a uns três ou quatro anúncios, a umas duas ou três notícias. Pode ir que eu espero.

Foi? Agora me diga se eu estou errado. Nos anúncios as crianças agem como adultos e os adultos como crianças? Você viu um senador da república roubando descaradamente e defendendo até às lágrimas seu direito de roubar descaradamente? Viu um ministro lá do judiciário ganhando uns 20 mil, se aposentando com os 20 mil limpinhos e reclamando que não tem aumento? Viu milhões de pessoas vivendo numa favela, sem esgoto, hospital e escola, com tiroteio diário e todo mundo saindo de casa pra trabalhar em vez de sair pra tocar fogo na cidade inteira?

Bem, você e o resto da turma eu não sei, minha amiga, mas eu, diante disso tudo, eu pergunto: esses poderosos todos acham que vão me tratar feito criança e eu não vou fazer nada? Pois estão muito enganados! Eu vou fazer birra, vou fazer manha, vou fazer beicinho, vou deitar no chão e espernear! E não vou ficar calado não. Vou chorar bem alto: uééééé! E se você está estranhando, eu explico, minha amiga. É simples: está mais do que provado, está mais do que na cara que eu tenho a idade mental de um bebê. Que outra explicação pode haver para esse mundo ser esse mundo e eu não sair por aí incendiando tudo, como um descendente de Nero, ou cometendo uns três ou quatro genocídios, tal qual uma reencarnação de Átila, de algum papa ou do Stálin?

E já que eu não fiz nada disso, a partir de hoje eu exijo ser tratado como um recém-nascido, um lobotomizado. É, minha amiga, essa aqui é a Declaração Universal dos Direitos de um Zero à Esquerda. E o zero à esquerda sou eu, muito prazer. Chega de ser inocente útil. Eu quero ser um inocente inútil, improdutivo, imprestável e não ter mais responsabilidade nenhuma. Eu não quero saber de restaurante de um real nem de ticket-refeição: eu quero o governador em pessoa aqui em casa na hora do almoço fazendo “olha o aviãozinho” com a colher cheia de feijão. Eu não quero transporte público, eu quero que me levem no colo. Neném gosta é de colinho! É isso mesmo, o Brasil pode tratar de se apertar porque chegou mais um pra ficar deitado eternamente em berço esplêndido: eu! Podem me prender e até me torturar. Minhas únicas declarações serão: papá, mamã, dadi-dudi-dódó!

Mas não se assuste, minha amiga, porque eu também não sou nenhum revoltado inconsequente. De jeito nenhum! Tanto que prometo bater palminha pra todas as declarações dos poderosos. Podem mentir à vontade, podem até cair na gargalhada no meio de seus importantes pronunciamentos. Eu vou também vou rir. Nós, os bebês, somos assim: sempre que a gente vê um adulto rindo a gente ri junto.

E nunca mais vou recitar emocionado: Ah, que saudades que eu tenho da minha infância querida. Sabem por quê? Porque a minha infância querida só vai acabar quando eu morrer bem velhinho. E ainda estarei andando de carrinho e tomando mamadeira. Não quero decidir mais nada, o máximo que eu posso fazer é comprar e comprar e chorar quando escangalhar. Só uma última proposta: em vez de deputados e senadores, a gente devia eleger babás para ocupar o Congresso e a ONU e decidir os destinos da nação e do mundo.

E você é bem capaz de me perguntar: mas quem vai tomar conta dessa criançada? Quem vai gerir o mundo e a humanidade? Ah, sei lá, eu sou pequenininho, não me preocupo com isso não. Não quero mais saber de governantes. Aceito no máximo uma governanta. De preferência uma alemã peituda e mandona. Eu sou que nem o Peter Pan. E quero comer a Sininho. Escrever esse texto foi a última iniciativa que eu tomei na vida. Depois do ponto final eu não tenho mais opinião, só tenho vontade: eu quero! Eu quero! Eu quero! E pronto! Quero liberdade total, vou fazer cocô nas calças e ainda vou esfregar na parede! Não quero bolsa-família, não quero bolsa-escola, não quero cidadania. Tenho uma única reivindicação final, minha amiga: dá a chupeta pro bebê não chorar!


César Cardoso

Nenhum comentário: